Multinacional francesa encerra operação na B3 após oito anos, marcada por aquisições polêmicas, prejuízos e perda de relevância no varejo nacional
O Carrefour Brasil encerrou, de forma discreta, sua trajetória na Bolsa de Valores na última sexta-feira (30). O que começou com um dos maiores IPOs da década terminou com uma desvalorização de 44% e a imagem de uma gigante que não conseguiu entregar o que prometeu.
A decisão de fechar o capital partiu da matriz francesa, que já detinha 70% das ações e optou por adquirir os 30% restantes. O objetivo, segundo a companhia, é simplificar a gestão no país e acelerar decisões estratégicas — um sinal claro de que os desafios operacionais enfrentados nos últimos anos comprometeram a agilidade e a confiança dos investidores.
Um IPO bilionário e grandes promessas
A estreia do Carrefour Brasil na B3 aconteceu em 2017 com pompa: a abertura de capital movimentou R$ 5,1 bilhões, o maior IPO no país desde 2013. Na época, o otimismo era generalizado. O braço de atacarejo da companhia, o Atacadão, era apontado como um trunfo em tempos de inflação e queda do poder de compra.
A proposta era clara: usar o capital levantado para acelerar a expansão das lojas e avançar no processo de digitalização. E de fato, no papel, parecia o cenário ideal para consolidar a marca como líder do varejo alimentar no Brasil.
Quando o sonho virou alerta vermelho
Mas a trajetória de sucesso durou pouco. Apesar de alcançar sua máxima histórica em 2022, com ações negociadas a R$ 23,17, o Carrefour passou a perder competitividade em um setor cada vez mais pressionado por margens apertadas, concorrência agressiva e um consumidor mais cauteloso.
A aquisição do Grupo BIG (ex-Walmart Brasil), em 2021, por R$ 7,5 bilhões, foi um divisor de águas. O mercado comemorou o movimento, mas o que parecia uma jogada certeira se transformou em um processo lento, caro e problemático. A conversão de 129 grandes lojas e o fechamento de outras 123 drenaram recursos e prejudicaram o desempenho financeiro da companhia.
No primeiro trimestre de 2023, o Carrefour Brasil registrou seu primeiro prejuízo desde o IPO, somando R$ 375 milhões. A margem Ebitda, que já era tímida, caiu de 4,4% para apenas 2,1%.
Concorrência acirrada e crises de imagem
Enquanto o Carrefour enfrentava dificuldades internas, concorrentes como o Assaí e o GPA aceleravam suas estratégias. O Assaí, desmembrado do Grupo Pão de Açúcar, avançava no atacarejo com expansão agressiva, enquanto o GPA reposicionava suas marcas no segmento premium.
Além dos tropeços operacionais, a imagem do grupo também foi arranhada por questões diplomáticas. No fim de 2024, o presidente global do Carrefour, Alexandre Bompard, anunciou que deixaria de comprar proteínas do Mercosul por questões sanitárias — uma decisão que gerou forte reação no Brasil.
O boicote por parte dos frigoríficos brasileiros e a crise instaurada exigiram até a intervenção do Ministério da Agricultura e da diplomacia francesa. Pressionado, o executivo recuou e reconheceu, em carta oficial, que a carne brasileira atende aos padrões sanitários da França.
Saída estratégica ou recuo silencioso?
No fechamento da última sessão, as ações do Carrefour Brasil estavam cotadas a R$ 8,45 — menos da metade do valor da estreia. O valor de mercado encolheu para R$ 17,8 bilhões, marcando o fim de uma era iniciada com promessas ambiciosas, mas interrompida por erros de execução e baixa adaptação às novas dinâmicas do varejo nacional.
Segundo especialistas, como Eduardo Terra, da BTR Retail, o objetivo da abertura de capital em 2017 foi cumprido: financiar a expansão do Atacadão e acelerar a digitalização. Mas os obstáculos posteriores — especialmente a complexa integração com o BIG — travaram o crescimento.
Para analistas do JPMorgan, a companhia perdeu tração e visibilidade, acumulando falhas operacionais nos últimos anos. Com a saída da B3, o Carrefour Brasil encerra um ciclo turbulento e agora, longe dos holofotes do mercado financeiro, busca um novo rumo mais ágil e menos exposto.